Na sexta o oriente veio a nossa casa. Tivemos um convidado japonês à mesa. Apesar de ele conhecer a gastronomia portuguesa, (por ter vivido uns anos no nosso país) queria mesmo assim oferecer algo muito nosso. Evitei o bacalhau porque sabia que ele não era muito apreciador. Também fugi da carne porque não é o que mais gosta. À hora de almoço fui comprar um polvo. Faria polvo à lagareiro. Deparei-me com ruívo na banca e alterei logo a entrada daquele jantar. Sopa de peixe, é claro. Assim foi.
Na mesa optei por um branco quase total, porque associo sempre aos japoneses uma estética muito clean. Para perfumar, um centro com rosmaninho e alfazema, sobre uma toalha alva, bordada, herança de família.
Antes da refeição propriamente dita, fomos petiscando pão de centeio e broa de milho com uma manteiga de ervas, onde utilizei salsa, hortelã e tomilho e queijo da serra amanteigado.
Servi então a sopa.
A conversa, em inglês, deu para perceber algumas particularidades daquele país e sua cultura, nomeadamente culinária. Produtos que para nós são absolutamente vulgares, para eles são quase exóticos. Uma melancia pode custar 100 euros. Salsa nem sequer existe. A rúcula usa-se com uma parcimónia curiosa. Tão cara, não permite mais de três folhas por comensal. E a nossa a crescer nas bermas da estrada.
Repetiu a sopa. Os mexilhões por lá são uma raridade.
Na minha sopa, comecei por cozer o ruívo. Reservei o caldo coado. Limpei o peixe. Depois fiz um refogado com cebola, alho, salsa, tomate e pimento vermelho. Passei com a varinha e acrescentei o caldo, o peixe e os mariscos. Servi polvilhada com salsa picada.
Antes do polvo, uma salada. A única indicação que tinha é que era fervoroso adepto destas, mas sem fruta à mistura. Salteei então presunto cortado em tirinhas com pimento vermelho. Depois adicionei à rúcula, beterraba e tomate cereja. Temperei com azeite, vinagre balsâmico, flor de sal e tomilho.
O polvo à lagareiro (cozido apenas com uma cebola, e na água que vai libertando, em temperatura baixa cerca de meia hora) foi acompanhado com migas. Estas, com broa de milho, couve cortada em juliana e feijão frade cozido. As batatas e as cebolas tinha sido assadas apenas com sal. Levei ao forno uma taça com o azeite e o alho laminado para depois depositar por cima de tudo. Gostou das migas. Faz sentido tendo em conta que um dos pratos que mais gosta da nossa culinária são as açordas. Pão, portanto!
Para rematar a refeição, tinha pensado em leite creme que é muito nosso. Mas não tenho experiência. Não arrisquei. Depois lembrei-me de arroz doce. Mas também só resulta servido morno. Tendo em conta que a refeição seria lenta, teria de o fazer durante, ou iria arrefecer. Lembrei-me então de um bolo quente de chocolate, do livro da Mafalda. Teria de ir ao forno 12 minutos. Ideal. Quando estivéssemos a terminar o polvo, levaria o bolo ao forno. Assim foi. Para dar um toque diferente, servi com frutos silvestres.
Bebeu com moderação, mas acho que lhe agradou o Carm 2008 que servimos.
Foi uma experiência curiosa. E cada vez mais entendo que é a comunicar com outras culturas que relativizamos todos os conceitos adquiridos e escapamos das certezas que teimamos afirmar. Tendo em conta o dia, poderia pensar-se que a conversa andasse à volta da tragédia do tsunami que nessa madrugada atingira o país. Nada. Nem uma palavra sobre o assunto. Mas se fosse português falaria com toda a certeza. Gostamos de esmiuçar as tragédias, parece-me! Muito mais trabalhadores e competitivos do que nós. Mas com uma atitude muito zen, sobretudo à mesa ;)