Seguidores

sábado, outubro 27, 2007

os iluminados

O mal das generalizações é que tendem a ser injustas. Diz-se que os políticos são todos iguais, que são todos mentirosos. Que prometem e, depois de eleitos, não cumprem. Pois bem, tendo em conta as mudanças de 'opinião' do falecido Cavaco, do primeiro-analfabeto Sócrates e do PSD em relação ao referendo, começa a ser difícil não pensar que são realmente todos iguais.
Sócrates e o PS, verdade seja dita, já tinham demonstrado o seu respeito pelo peso dos referendos quando repetiram o do aborto até obterem o resultado que lhes interessava. É a chamada democracia socialista (certamente uma herança dos 'bons tempos' da primeira república (que deu no que deu), há liberdade de expressão e de opinião desde que seja a nossa e não outra contrária à nossa.


No meio disto tudo, surge uma personagem cada vez mais hilariante, chamada Vital Moreira. Esta mente iluminada considera que os portugueses não se devem pronunciar sobre o referendo porque são ignorantes e não iriam perceber o tratado, mesmo que o lessem. Já Manuel António Pina questionou, no DN, se os deputados que , na opinião de V. Moreira, o devem aprovar serão menos ignorantes e dar-se-ão efectivamente ao trabalho de o ler. E compreender. Obviamente que não (lá estão as generalizações maldosas, mas se V. Moreira as pode fazer, quem não pode?).


A opinião de V. Moreira levanta até outra questão, pois parece ser um bom (salvo seja) começo para defender o regresso do voto censitário ou do despotismo esclarecido, em que sócrates, licenciado num domingo, e V. Moreira (atrevo-me a acrescentar ainda o dr. Júdice e o actual sósia do prof. Cavaco) seriam as mentes esclarecidas que decidiriam por nós (arrepios de terror). Se os Portugueses não se podem pronunciar em relação ao que não podem compreender, então por que motivo votam para eleger deputados e presidentes?


Dando mostras de grande bom senso, V. Moreira sugeriu ainda (vejam a luz, vejam a luz) que, a haver referendo, a pergunta deveria ser:
"concorda com a permanência de Portugal na U.E?"
(ou algo do género, não memorizei o texto, perdoem a minha ignorância).
E realmente devo ser mesmo ignorante, pois olho para essa pergunta e, coisa estranha, não me parece o mesmo que perguntar:
"concorda com a ratificação do tratado de Lisboa?"
E penso que para muitos Portugueses a confusão será idêntica, pois à primeira responderiam Sim e à segunda responderiam Não. Lá está a nossa ignorância, somos capazes de à mesma questão (sim, porque se V. Moreira sugere que é a mesma coisa, então é porque é) responder sim e não. Por favor, senhores iluminados, votem por nós, opinem por nós, não permitam o referendo.


(sócrates com o seu diploma - saindo da parede, o exame de inglês técnico)

V. Moreira em traje de gala
(pose de deputado português após leitura e compreensão integral do Tratado de Lisboa, lamentando a ignorância do povo que o elegeu e consciente da importância dos cursos EFA para a compreensão futura dos tratados europeus por parte dos súbditos da nação - um olhar entre o orgulhoso e o doloroso)
ps: Ah, mas agora entendo uma coisa: aquela questão das promessas que não são cumpridas, as mentiras do pseudo-engenheiro (scuts, baixa de impostos, progresso económico, combate ao desemprego, justiça social, não à ditadura do défice, sim sou mesmo licenciado, aposta na educação e etc...) não foram realmente mentiras nem situações confusas, nós é que, na nossa pobre e vil situação de ignorantes, não percebemos as sábias e luminosas palavras do mestre. Tal como não temos entendido nenhum político nas últimas décadas.

quinta-feira, outubro 25, 2007

alunos que frequentam escolas públicas I

M. tinha treze anos e estava no 7º ano da escola básica de uma pequena povoação do interior transmontano. Tinha olhos e cabelos escuros, que trazia geralmente emaranhado e espigado. Sorria quando nos via e era uma rapariga carinhosa e calada. Estudava na escola, sempre que o horário permitia. Quando tinha uma hora livre ou depois de almoço. Sozinha nos bancos que ladeavam o polivalente barulhento, com as grandes janelas de vidro atrás de si deixando entrar a luz branca do inverno. Outras vezes era vista na biblioteca da escola, um espaço com menos livros que algumas estantes particulares (conheço algumas) e alguns computadores velhos, pedindo ajuda a algum professor para esclarecer dúvidas. As notas, no entanto, dificilmente eram positivas. A sua caminhada até ao 7º ano fora complicada e deixou marcas. Beneficiando (digamos assim) de uma lei que quase proíbe as retenções e de uma perspectiva caridosa de muitos conselhos de turma foi passando sem conseguir aprender muito. Não tinha grande vontade de aprender, o esforço que fazia era apenas ditado pela obrigação e por uma necessidade de fazer algo bem feito, que lhe aumentasse a auto-estima e o seu valor aos olhos dos outros. O seu grande problema estava em casa. Em casa não havia livros, mas não era esse o problema. Em casa havia um pai alcoólico e violento (nem sempre andam lado a lado estas características, encontram-se muitas vezes isoladas, mas desta vez ali estavam, como duas amigas de longa data). E sempre que M. precisava de estudar à noite, tinha de rezar (não encontro melhor palavra) para que o pai não chegasse zangado, nem embriagado, nem violento. Porque quando isso acontecia (e parece que as rezas dela não chegavam muitas vezes aos ouvidos de quem devia), e o homem entrava em casa e a via de luz acesa agarrada a um qualquer livro ou caderno, não sei se gritava (mas devia gritar), não sei se batia (ela não disse se batia ou não), mas sei que não tinha meias medidas e desligava o quadro da electricidade, afogando a casa em escuridão. Depois deitava-se e, passado algum tempo (quantos minutos? quantas horas depois?), adormecia. E só então M., mais silenciosa do que um ratinho, se levantava e continuava o seu esforço inglório à luz da vela. Nesse ano, M. ficou retida. Não sei se justamente ou não. A verdade é que as suas notas eram más. Falo de resultados, claro. Falo, digamos assim, de 'rankings'. Mas também é verdade que as suas notas não poderiam ser melhores. E duvido que muitos dos que passaram com boas notas nesse ano nos confortáveis e reservados colégios da elite conseguissem melhores resultados nas mesmas condições.
Dois anos depois, quando voltei à escola, M. estava no 8º ano. E continuava a sorrir como antes.
Obviamente, M. nunca chegou ao 12º ano. Perdi-lhe o rasto entretanto. Presumo que terá terminado o 9º ano (provavelmente à custa de um qualquer CEF, para não ter de enfrentar os exames de português e de matemática que provavelmente a obrigariam a repetir o 9º ano). Ou então desistiu antes disso e procurou trabalho para sair de casa.

o ranking das escolas

Hilariante o relevo dado pelos meios de comunicação ao 'ranking das escolas'. Um jornalista que pensasse um pouco no que está a fazer e tivesse conhecimento dos assuntos de educação certamente olharia para os dados apresentados de forma correcta, e não como o ministério da educação (e outros grupos de interesses) querem que se olhe. Na leitura oficial, há o bom ensino, que é privado, e o mau ensino, que é público. Como grande parte da opinião pública desconhece o que realmente se passa nas escolas, tirando o que se limita a ver noticiários e a ouvir dos relatos dos filhos, é natural que adopte essa leitura oficial de forma acrítica e a tome por verdadeira. Mas observem só como foi feito o 'ranking'. O dado valorizado nessa hierarquização de estabelecimentos de ensino foi o da 'classificação média por exame'. Ou seja, somaram-se as notas obtidas em exame no ano lectivo passado por todos os alunos de cada escola e dividiu-se o valor pelo número de alunos. Só isso está em causa. E, com este estudo profundo, eis a conclusão a que se chegou:
- As melhores escolas são colégios privados, pois nas 10 primeiras só está uma escola pública, a Escola Infanta D. Maria (Coimbra).
Porém, na edição desta Quarta-feira do JN (não procurei o link porque não tive tempo), vem uma tabela que, para além do nome da escola e da média obtida, tem mais duas informações essenciais, mas que a comunicação social se esqueceu de analisar. A localização geográfica dessas escolas e o número de alunos que fizeram exames nas escolas privadas que estão no topo.
Pois bem, ninguém acha estranho que as melhores 25 escolas do país se localizem todas em Lisboa, Coimbra e Porto (com cinco excepções, 2 de Gaia, 1 de Cascais e outra de Loulé - interessantes excepções, aliás)? Não há alunos inteligentes na Guarda, em Murça, em Famalicão, em Évora, em Braga, em Chaves, em Carrazedo de Montenegro, na Maia, em Pombal, em Leiria? Ou não há aí professores competentes? A resposta para ambas as questões é só uma: há (conheço pessoalmente exemplos quer de alunos quer de professores).
Nesse caso, não valeria a pena tentar aprofundar as causas dessa geografia do sucesso escolar em Portugal? Não estará também ligado a um maior contacto com as ofertas culturais (desde cinemas, museus, concertos, livrarias, centros comerciais...), ao maior poder de compra da população, ao nível socio-económico e cultural dos agregados familiares, a um estímulo e exigência maiores por parte dos pais ou do grupo de amigos em que os alunos se integram para se lutar por um diploma (nem todos o podem tirar ao domingo)? Está, mas não interessa porque contraria a conclusão oficial, aquela que é feita de branco e preto, a que opõe o bom ao mau ensino.
Olhemos agora para o número de alunos que fez exames nos colégios no topo do ranking. Nos 3 primeiros, o número de alunos é de 48+32+15. Até o eng. Guterres era capaz de fazer esta conta: 95 exames. Mesmo que a cada exame corresponda um aluno, isso daria, no máximo, a 95 alunos divididos por três colégios. Este ano, eu tenho mais alunos do que esses. Pois bem, na primeira escola pública, o número de exames foi de 553. Não admira, pois, que tenha tido uma média inferior aos 3 primeiros.
Não sei o que se passa nesses colégios em particular, mas sei o que se passa em vários. Era uma vez um colégio que era o melhor no ranking do ensino de uma certa disciplina. Porquê? Porque obtivera uma média de 19 vírgula qualquer coisa nos exames desse ano. Fantástico, não é? E quantos alunos fizeram exame nesse colégio? Pois bem, um, aquele que eles sabiam que iria ter bons resultados. E os outros? Foram 'convidados' a fazer o exame na escola pública mais próxima.
Sabemos, também, que os alunos dos colégios não são, em regra, iguais aos alunos da maioria das escolas públicas. Os pais são diferentes, as terras onde vivem são diferentes, o ambiente que têm em casa é diferente. E os colégios não são obrigados a cumprir uma coisa muito gira chamada escola inclusiva, que exige que nenhum aluno seja excluído de um estabelecimento de ensino público. Os alunos com dificuldades de integração, de adaptação, com deficiências ligeiras, com ambientes e passados caóticos, em geral, não frequentam colégios. Por isso a comparação que é feita apenas a nível dos resultados obtidos nos exames é obscena, é absurda.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Uma questão de trocos...

O inglês Robbie Fowler promete chegar à reforma em grande estilo. O avançado, que ainda é o quarto maior goleador da história da liga inglesa, actua actualmente no Cardiff, do País de Gales, que disputa a segunda divisão.
O problema é que Fowler é natural de Liverpool, onde jogou durante dez anos se tornou um ídolo dos adeptos do clube com o mesmo nome. Nasceu e cresceu lá, gosta muito da cidade e não se quer ver em outro lado nem por nada deste mundo.
Ora como de Liverpool a Cardiff ainda vão 217 kms, o avançado achou que só mesmo a voar é que lá chegava a tempo dos treinos. Vai daí... comprou um helicóptero. Custou 320 mil euros, mas isso também não pareceu o problema.
Até porque essa não foi a única despesa. Para poder utilizar o helicóptero, construiu ao lado de casa um heliporto que lhe custou cerca de 7800 euros. Para se deslocar todos os dias ainda contratou um piloto pessoal, que lhe custa 315 euros por dia.
Feitas as contas, a brincadeira fica cara. Mas é mais rápida. Fowler coloca-se de Liverpool no campo de treinos do Cardiff em hora e meia. Para regressar a casa é mais hora e meia. Diga-se, de resto, que Fowler tem contrato com o clube galês até ao final da época 2008/09.

sexta-feira, outubro 12, 2007

prémios de treta

Al Gore vence prémio nobel da paz por ser locutor de um documentário. Sinceramente, penso que estaria melhor entregue ao Eládio Clímaco, que tem um trabalho de maior qualidade nesse campo (admirável o seu trabalho na Epopeia dos Bacalhaus.
Quanto ao documentário Uma verdade inconveniente, há aparentemente uma palavra errada no título, e essa palavra é Verdade:
O Deco foi o mesmo jogador que disse que o Ronaldinho foi o melhor jogador que já jogou no Barcelona, o que mostra o pouco que percebe de futebol (escuso de voltar a dar os exemplos de jogadores bem melhores que usaram a camisa blaugrana). Portanto, o que ele diz não merece grande crédito.

Quanto ao Raúl, o melhor marcador da Liga dos Campeões, vencedor de 3 Champions e melhor marcador da competição e da Liga vários anos, precisa tanto desse prémio como o Lobo Antunes precisa do Nobel (ou nobél como diz o espanholeco de Lazarote).

quarta-feira, outubro 10, 2007

Concordo com o mágico Deco

Nem Kaká, nem... Cristiano Ronaldo. Deco entregava a Bola de Ouro a Messi. O médio garantiu esta terça-feira, em entrevista à Rádio Catalunha, que o colega argentino é o maior candidato ao prémio que distingue o melhor jogador a actuar na Europa.
«Pelo que tem feito e pela qualidade que possui, Messi merece a Bola de Ouro», disse o internacional português. «Encanta-me como jogador. Não sei se ganhará o prémio, porque Kaká também teve um grande ano, mas eu gosto mais de Messi».
Mas se a escolha é difícil, para mim, nao deixam de ser os 3 melhores jogadores do Mundo.
P.S. Porque será que o Raul não está na lista hehe :)?

segunda-feira, outubro 08, 2007

Memórias de uma Gueixa



Há cerca de dois anos que as "Memórias de uma Gueixa" está na pilha de livros a ler, na mesa ao lado da cama. Por diversas razões fui adiando. Foi a S. que me emprestou e tinha recomendado. Mas ela é supeita pois as histórias com o Oriente como pano de fundo são muito do seu agrado. No meu último aniversário também o recebi de presente. Quem mo ofereceu trouxe o talão para troca pois considerava quase impossível que eu já não o tivesse, mas como não sabia bem o que escolher...

Finalmente peguei nele. E logo na primeira página fiquei seduzida. Ainda tenho alguma dificuldade em compreender como é que pode ser o primeiro livro deste autor. Que tenha levado dez anos a escrevê-lo não estranho, mas conseguir fazê-lo desta maneira, como primeiro romance, acho surpreendente.

O mundo das Gueixas numa versão encantatória e simultâneamente com glamour violento.

O filme é igualmente bom, com uma fotografia fabulosa. Recomendo ambos.

diálogo

Ela estava à espera, alegre e animada, aguardando cortesmente para começar a sopa, quando Mr. Welton tomou o seu lugar à mesa.
«Oh, sopa de tomate, he?» disse ele.
«Sim», respondeu ela. «Tu gostas, não?»
«Quem - eu?» disse ele. «Ah, sim. Sim, é verdade.»
Ela sorriu-lhe.
«Sim, bem me parecia que gostavas», disse ela.
«Tu também gostas, não é?», perguntou ele.
«Ah, sim», assegurou-lhe ela. «Sim, gosto mesmo muito. Gosto extraordinariamente de sopa de tomate.»
«Sim», disse ele, «não há nada melhor do que sopa de tomate numa noite fria.»
Ela inclinou a cabeça, concordando.
«Também acho que é bom», confessou.
Tinham tido sopa de tomate para o jantar provavelmente três vezes por mês durante a sua vida de casados.
A sopa estava terminada e Delia trouxe a carne.
«Bem, isto está com óptimo aspecto», disse Mr. Welton, trinchando-a. «Já não tínhamos bife há muito tempo.»
«Ora, sim, temos tido, também, Ern», disse a mulher ansiosamente. «Tivemos bife - deixa-me ver, em que noite é que os Baileys cá estiveram? - tivemos quarta-feira à noite - não, quinta à noite. Não te lembras?»
«Tivemos?», perguntou ele. «Sim, acho que tens razão. Parecia-me mais tempo, não sei porquê.»
Mrs Weldon sorriu educadamente. Não conseguia pensar em nenhum modo de prolongar a discussão.
De que é que falavam as pessoas casadas, afinal, quando estavam as duas sozinhas? Tinha visto casais - não daqueles duvidosos, mas pessoas que ela realmente sabia serem maridos e mulheres - no teatro ou em comboios, falando um com o outro tão animadamente como se fossem apenas conhecidos. Observara-os sempre, maravilhada, interrogando-se o que diabo encontravam para dizer.»

Dorothy Parker, Que Pena, in "Contos", Lisboa, Relógio d' Água (pp. 59-60)

sábado, outubro 06, 2007

A Independência de Portugal

Eis o que verdadeiramente deveria ser comemorado a cada 5 de Outubro, pois foi precisamente nesse dia, no já muito distante e quase esquecido ano de 1143, que D. Afonso Henriques e Afonso VII (reunidos em Zamora com a mediação do enviado de Inocêncio II, o cardeal Guido de Vico) chegaram a um acordo de paz que colocou definitivamente a coroa na cabeça de Afonso Henriques e fez nascer o reino de Portugal. O Papa, anos mais tarde, limitar-se-ia a confirmar esse nascimento, recolhendo o reino português na protecção do seu regaço.
*
Portugal é dos poucos países europeus que tem uma data de fundação. E curiosamente, é dos poucos países que não acha necessário comemorar a sua independência. Isto apesar de comemorar a restauração dessa mesma independência (1-12-1640). Prefere comemorar datas mais negativas e cujo benefício claro não se percebe. O 5 de Outubro de 1910 é um deles. Fez nascer um regime despótico, sem liberdades políticas, e que muito contribuiu para a ruína económica e financeira e para o caos político que originou o 28 de Maio de 1926. E depois, temos o famoso e over rated 25 de Abril, do qual nem vale a pena falar. O resultado está à vista, e pouco difere do resultado final do 5 de Outubro.