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quinta-feira, outubro 25, 2007

alunos que frequentam escolas públicas I

M. tinha treze anos e estava no 7º ano da escola básica de uma pequena povoação do interior transmontano. Tinha olhos e cabelos escuros, que trazia geralmente emaranhado e espigado. Sorria quando nos via e era uma rapariga carinhosa e calada. Estudava na escola, sempre que o horário permitia. Quando tinha uma hora livre ou depois de almoço. Sozinha nos bancos que ladeavam o polivalente barulhento, com as grandes janelas de vidro atrás de si deixando entrar a luz branca do inverno. Outras vezes era vista na biblioteca da escola, um espaço com menos livros que algumas estantes particulares (conheço algumas) e alguns computadores velhos, pedindo ajuda a algum professor para esclarecer dúvidas. As notas, no entanto, dificilmente eram positivas. A sua caminhada até ao 7º ano fora complicada e deixou marcas. Beneficiando (digamos assim) de uma lei que quase proíbe as retenções e de uma perspectiva caridosa de muitos conselhos de turma foi passando sem conseguir aprender muito. Não tinha grande vontade de aprender, o esforço que fazia era apenas ditado pela obrigação e por uma necessidade de fazer algo bem feito, que lhe aumentasse a auto-estima e o seu valor aos olhos dos outros. O seu grande problema estava em casa. Em casa não havia livros, mas não era esse o problema. Em casa havia um pai alcoólico e violento (nem sempre andam lado a lado estas características, encontram-se muitas vezes isoladas, mas desta vez ali estavam, como duas amigas de longa data). E sempre que M. precisava de estudar à noite, tinha de rezar (não encontro melhor palavra) para que o pai não chegasse zangado, nem embriagado, nem violento. Porque quando isso acontecia (e parece que as rezas dela não chegavam muitas vezes aos ouvidos de quem devia), e o homem entrava em casa e a via de luz acesa agarrada a um qualquer livro ou caderno, não sei se gritava (mas devia gritar), não sei se batia (ela não disse se batia ou não), mas sei que não tinha meias medidas e desligava o quadro da electricidade, afogando a casa em escuridão. Depois deitava-se e, passado algum tempo (quantos minutos? quantas horas depois?), adormecia. E só então M., mais silenciosa do que um ratinho, se levantava e continuava o seu esforço inglório à luz da vela. Nesse ano, M. ficou retida. Não sei se justamente ou não. A verdade é que as suas notas eram más. Falo de resultados, claro. Falo, digamos assim, de 'rankings'. Mas também é verdade que as suas notas não poderiam ser melhores. E duvido que muitos dos que passaram com boas notas nesse ano nos confortáveis e reservados colégios da elite conseguissem melhores resultados nas mesmas condições.
Dois anos depois, quando voltei à escola, M. estava no 8º ano. E continuava a sorrir como antes.
Obviamente, M. nunca chegou ao 12º ano. Perdi-lhe o rasto entretanto. Presumo que terá terminado o 9º ano (provavelmente à custa de um qualquer CEF, para não ter de enfrentar os exames de português e de matemática que provavelmente a obrigariam a repetir o 9º ano). Ou então desistiu antes disso e procurou trabalho para sair de casa.

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