"A poltrona está isolada, virada para a janela que dá para o jardim. Ao fundo da biblioteca, uma sala oitocentista cheia de livros antigos, há uma lareira. É o cenário ideal para o famoso "pensativo cigarro" de que falava Eça de Queirós. Os fumadores conhecem-no: é aquele que se aspira em silêncio, numa aparente ausência, enquanto se tenta organizar pen-samentos e ideias. Pois bem, na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, este ambiente existe: o hotel decidiu re-servar uma sala especial para os amantes do fumo, onde o vício poderá ser desfrutado com toda a elegância e dignidade [...] numa sala envidraçada com acesso à biblioteca e vista privilegiada para a colina sobre a qual se ergue a cidade. Esta recriação de uma "sala de fumo" queirosiana, onde os fumadores se dirigiam após as refeições, já está aberta a hóspedes e não hóspedes. A directora da Quinta das Lágrimas, Teresa Lopes, não fuma, mas, quando fala da iniciativa, até parece que o faz, usando vocabulário e expressões que traduzem o encanto, agora mais quebrado, do velho vício: "A Quinta das Lágrimas é um local de descanso, de lazer, acolhedor, cheio de lareiras, onde apetece puxar um charuto, fumar... Claro que a lei é benéfica em termos de saúde pública, mas para quem é fumador é um bocadinho constrangedor ir para um local tão bonito e não poder praticar esse acto, não poder desfrutar desse acto livremente sem problemas de consciência", diz, enquanto mostra a divisão em tons de amarelo desmaiado e azul-escuro. Ali, naquela sala, com acesso à biblioteca e à varanda da capela, pode fumar-se à vontade, enquanto se bebe um café, um digestivo, se conversa ou medita. Mais: qualquer pessoa pode, até à meia-noite, usufruir do espaço, embora os hóspedes tenham, para além disso, quartos com varandas e jardins privados para se deleitarem com o "prazer do tabaco" sem que ninguém os recrimine. [...] Trata-se tão-só de fazer jus à história secular do palácio, onde já fumaram o duque de Wellington, o escritor Eça de Queirós, o rei D. Miguel e o político e escritor Teófilo Braga. Para quem quiser, porém, almoçar ou jantar, ou beber um copo e fumar, em locais menos luxuosos do que a Quinta das Lágrimas, há o restaurante Taberna, no Parque Verde do Mondego, com vista sobre o rio, e, uns metros adiante, o Irish Pub, com música ao vivo e cerveja para todos os gostos. Outro sítio onde os fumadores se sentirão abrigados, em Coimbra, é a Galeria-Bar Santa Clara, que também destinou aos prazeres do tabaco uma aconchegante sala com salamandra. Já para o apressado café da manhã, há a pastelaria S. José, na Solum, onde ainda se pode ingerir a dose matinal não recomendada de cafeína e nicotina."
2 comentários:
Os fumadores não têm que se queixar. Não lhes faltam lugares onde fumar...o problema é que estavam mal habituados.
Os fumadores estavam mal habituados porque acreditavam que viviam num país civilizado, onde não havia puros e impuros e em que todos eram iguais perante a lei. Não há muitos sítios onde fumar e cada vez haverá menos (basta começarem as multas da asae por causa das instalações que eles não legislaram mas que vão legislar em breve, de forma a não enquadrar grande parte dos sistemas de ventilação instalados).
Daqui a pouco será a vez do álcool. Depois dos doces e da coca-cola.
Caramba, se temos um Estado que cria espaços para consumo de produtos ilegais (salas de chuto), qual é a lógica de eliminar os locais de consumo de um produto legal (com o qual o Estado factura milhões)?
O Estado não tem o direito de proibir os proprietários de espaços privados (embora abertos ao público) de autorizarem o simples acto de fumar aos seus clientes. Justo seria assim, cada proprietário determinaria se teria um estabelecimento sem fumo ou com fumo. Depois, os clientes poderiam escolher. Até porque os não fumadores, que eu saiba, não eram obrigados a frequentar os locais com fumo. Eu não era. Só lá ia porque queria. Mas enfim, se é isto a liberdade, viva Salazar!
(nota histórica: a perseguição do "vício" (do tabaco e outros) era uma prática habitual de uns senhores muito tolerantes e amantes da igualdade, chamados nazis).
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