"Em 1999, o historiador Robert Proctor publicou um livro que merecia tradução entre nós. Intitula-se 'The Nazi War on Cancer' e Proctor pretende mostrar como a Alemanha nazi foi pioneira em certas políticas para a saúde que hoje se instalaram entre nós. E, a título de exemplo, Proctor investiga as campanhas antitabágicas do Reich, destinadas a apresentar o fumador como um ser vicioso e infecto, capaz de por em risco a pureza da utopia racial alemã. Utopia: eis a palavra. Porque aquilo que distingue os totalitarismos do século XX é a crença basilar de que é possível produzir um homem novo e perfeito. E um homem novo e perfeito não fuma, não bebe, não come o que não deve. E, já agora, não é judeu, nem cigano, nem homossexual, nem polaco. A natureza totalitária destas ideologias redentoras começa na subjugação do indivíduo a um ideal de perfeição.
É por isso estranho que algumas sumidades tenham aparecido recentemente a denunciar a forma como as palavras 'fascismo' e 'totalitarismo' são usadas para combater o antitabagismo corrente. As sumidades não apreciam o exercício e pedem respeito pelas palavras. Como é natural, as sumidades respeitam as palavras mas não entendem o que elas encerram no seu significado mais profundo. E acreditam que 'fascismo' e 'totalitarismo' designam coisas 'sérias' e não, como sucede, a aplicação de um ideal higiénico sobre a raça humana. Ler Robert Proctor talvez desfizesse tanta seriedade. Mas o mais provável era as nossas sumidades desatarem a insultar o historiador."
É por isso estranho que algumas sumidades tenham aparecido recentemente a denunciar a forma como as palavras 'fascismo' e 'totalitarismo' são usadas para combater o antitabagismo corrente. As sumidades não apreciam o exercício e pedem respeito pelas palavras. Como é natural, as sumidades respeitam as palavras mas não entendem o que elas encerram no seu significado mais profundo. E acreditam que 'fascismo' e 'totalitarismo' designam coisas 'sérias' e não, como sucede, a aplicação de um ideal higiénico sobre a raça humana. Ler Robert Proctor talvez desfizesse tanta seriedade. Mas o mais provável era as nossas sumidades desatarem a insultar o historiador."
(J. Pereira Coutinho, no Expresso)
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