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segunda-feira, janeiro 22, 2007

E depois dizem que a América é que é violenta...

O casal entra no restaurante. A brisa, que com eles entrou, espalhou o perfume da mulher pela sala. Numa das mesas, dois homens viraram o olhar ao sentirem o odor. Um cheiro quente e sensual. O álcool, como é sabido, solta a língua, ainda que por vezes faça enrolar as palavras. Desta vez não. As palavras saíram perfeitamente audíveis. Chamem-lhe um piropo, um galanteio, uma ofensa rude. Não importa a designação. A verdade é que as palavras chegaram aos ouvidos da mulher. E do marido. O casal deu meia volta. Talvez se tenham ouvido risos à sua saída. Não se sabe se trocaram palavras durante o regresso a casa. Sabe-se apenas que o homem entrou em casa com a mulher, procurou a espingarda e regressou ao restaurante. A arma disparou sobre os ofensores/galanteadores, estáticos de espanto. Um morto e um ferido grave. Uma condenação.
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O ciúme alimenta a violência. De certa forma, o homem sentiu-se aprisionado, forçado a agir. A infidelidade da mulher, numa terra tão pequena, não podia deixar de ser de conhecimento geral. Como poderia ir ao café e conversar com os amigos? Como poderia sair à rua, ir trabalhar, ir às compras, sem sentir em cada sorriso uma ofensa pessoal, uma humilhação? Olhares, esgares e silêncios desconfortáveis eram só meios mudos de lhe gritarem "fraco" à cara. Tal como o outro, também este homem procurou a espingarda. Arrastou a mulher para um bosque. Atirou-a ao chão. Violou-a. E, de seguida, matou-a.
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O vidente sabe que o amor é uma das principais preocupações das pessoas. Melhor, é uma das suas grandes fraquezas. Alimentando essas fraquezas, iria alimentar-se a si. Por esse motivo, a cada cliente que o procurava, alertava para uma possível infidelidade do amante ou da amante. E marcava-se nova visita, para continuar a acompanhar o caso. Os casos foram-se sabendo. Já não importava se eram verdadeiros ou inventados. Eram casos públicos e as pessoas são fiéis ao provérbio "onde há fumo há fogo", mesmo sabendo que não é sempre verdade. Os sucessivos escândalos fizeram prosperar o vidente. Só que, ocupado como estava a "ver" para além do visível na vida amorosa das clientes, não cuidou de olhar para outros sentimentos que iam crescendo entre uma parte da população. Os amantes acusados pelo vidente, ao tomarem conhecimento do facto, ficaram furiosos. Ou porque se sentiam caluniados ou porque não lhes agradou a inconfidência do homem, acabaram por se unir e decidiram resolver o problema de uma vez por todas. Formados em bando, dirigiram-se à casa do vidente (que, mais uma vez, nada adivinhou), forçaram a entrada e espancaram-no até acalmarem a ira. Rasgaram-lhe roupas e pele com golpes de botas duras, de paus e varas e punhos duros de trabalhadores braçais. Desta vez não mataram. Ninguém levou arma de fogo (não que fosse preciso), já que a morte seria um fim demasiado rápido para tão graves ofensas. Humilhação paga-se com humilhação. "Quem com ferro mata..." A propósito de ferro, é possível que alguém se tenha recordado deste provérbio. Ou talvez tenha apenas visto a fogueira que ardia na lareira e o agulhão que servia para atiçar as brasas e essa visão lhe despertasse a imaginação. Não se sabe. As crónicas dizem apenas que o ferro foi aquecido enquanto o homem era estendido de bruços no chão e despido dos andrajos que ainda tinha. Uns agarraram-no com força para o imobilizarem, e alguém meteu o ferro em brasa pelo traseiro do vidente, que gritou e chorou e esperneou. Vingadas as ofensas, o vidente foi hospitalizado e submetido a várias operações, tendo-lhe sido colocada uma prótese que substituiu a parte mais danificada do intestino. Pelo menos é o que contam. Não sei se chegou a haver detenções.

1 comentário:

Anónimo disse...

Acho que em termos de violência, há poucos países que se igualam aos States. Portugal não será um deles, felizmente. Há crime violento, sim, mas não em tão grande escala como na América.