«Enterrei hoje minha mulher - porque lhe chamo minha mulher? Enterrei-a eu próprio no fundo do quintal, debaixo da velha figueira. Levá-la para o cemitério, e como? Fica longe. [...] Não tenho forças e cai neve. A quantos estamos? É Inverno, Dezembro, talvez, ou Janeiro. Tiro a neve com uma pá, traço o rectângulo e cavo. Dois cães assomam à porta do quintal, chupados de ódio e de fome. Ainda há cães na aldeia? Babam-se e uivam sinistramente. Tomo uma pedra, disparo-a contra um, desaparecem ambos a ganir. E de novo o siliêncio cresce a toda a volta, desde a montanha que fico a olhar até me doerem os olhos. [...] Estou só, horrorosamente só, ó Deus, e como sofro. Toda a solidão do mundo entrou dentro de mim.»
(Vergílio Ferreira, Alegria Breve, Lisboa, Amigos do Livro, 1986)
Assim começa o livro que, segundo Eduardo Lourenço (no prefácio), era o preferido do autor.
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