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quinta-feira, abril 13, 2006

boas vindas, música (e falta de poder de síntese... entusiasmei-me, que querem?)

Quero, desde já, dar as boas vindas ao João e agradecer o primeiro (de muitos, esperemos) contributo para esta nossa longa conversa tecida de vários temas. Espero que em breve outras vozes se façam ouvir.
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Sem dúvida que a música é uma parte essencial da nossa vida, felizmente temos a sorte de a poder ouvir (como será que a música chega aos que não conseguem ouvir?). E a sua importância foi reconhecida há muitos séculos. Em Atenas e Roma, aprender música era considerado uma necessidade para se obter a correcta educação do cidadão. A Igreja também se socorreu da música para cativar os fiéis (primeiro com S. Gregório, mais tarde com a música barroca). A música barroca, aliás, foi um instrumento de propaganda do catolicismo para enfrentar o avanço 'protestante' e das monarquias absolutistas (as peças compostas para serem tocadas e ouvidas em Versalhes são disso exemplo). Os nazis usaram a música para fortalecer a sua propaganda e fizeram propaganda para provar o "germanismo" ou "nacionalismo"de vários compositores (Carl Orff, Wagner, Beethoven, até Handel...). E hoje, não há campanha política, mesmo por cá, que não tenha música como pano de fundo (Vangelis com Guterres, Hans Zimmer com o engenheiro gladiador). O PC, por exemplo, mantém-se como partido à parte, com identidade própria, socorrendo-se de música facilmente associada ao partido, quer pelos temas 'revolucionários' ou com 'consciência social e trabalhadora', quer por ser cantada por pessoas publicamente conotadas com a ideologia comunista (escuso-me a citar nomes). Depois, temos música na publicidade, na televisão, no cinema. De acordo com os especialistas, temos música na literatura, sobretudo na poesia mas também na prosa (o Lobo Antunes faz várias referências a esta ligação).
E todos nós temos a nossa banda sonora. Não sei se acontece o mesmo convosco, mas eu tenho músicas que me trazem de volta certos momentos, anos, pessoas. Peter Murphy recorda-me uma menina de olhos verdes, um ou dois cds lembram-me Montalegre, Damien Rice, Katie Melua e os Pogues levam-me de volta a Dublin, os Chieftains a Loriga, a 5ª sinfonia, o Brothers in arms, o Thriller e o The Wall devolvem-me a adolescência, o Quebra Nozes de Tchaikovsky coloca-me na remota infância, algures em África, sentado com a minha mãe em frente a um gira-discos, o Maria dos Xutos faz-me voltar ao 8º ano e a uma certa Maria que era a paixão desse ano, Carla Bruni coloca-me em Famalicão, numa quinta com 4 cães e dias chuvosos... etc etc...
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O post do João levanta questões muito interessantes... Em primeiro lugar, neste pós-modernismo em que vivemos e que relativiza tudo, torna-se difícil jogar com conceitos de boa música e de música daninha (com os quais concordo) sem sermos olhados como snobs ou arrogantes. E, de facto, é complicado definir uma e outra, ou traçar fronteiras. Sabemos o que está no limite de cada uma: Mozart é boa música, os D'Zert é música (?) daninha. Mas nem sempre se torna fácil separar as águas. Separamos por estilos? Não será demasiado generalizador? Nem tudo o que é barroco ou romântico ou blues é bom, nem tudo o que é rock, r&b ou soul é mau. Por cantor/músico/banda? Mas a obra completa de um compositor/intérprete pode incluir boa e má música (por exemplo, Stevie Wonder é um nome fundamental da música negra ligada à motown, mas também fez aquele irritante I just called to say I love you que ficou no top mais de um ano para nosso tormento). Avançamos composição a composição, tornando a tarefa de separação infinita? Já agora, que critérios se estabelecem para a divisão? A originalidade? A qualidade ou complexidade da composição? A performance do intérprete (que fazer com os grandes cantores que 'não sabem' cantar, Bob Dylan à cabeça)? O impacto que teve na época? O impacto que teve nas gerações futuras? O apreço do público (Deus nos livre)? O apreço da crítica (pior ainda)?
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Hoje, infelizmente, não há educação musical nas escolas. Aliás, há séculos que não há. Nem solfejo se aprende. Duas ou três crianças lá aprendem a soprar numa flauta, único instrumento que muitas escolas podem ensinar por ser barato e fácil de transportar. Uma educação musical a sério deveria começar no primeiro ciclo, provavelmente até antes disso. Mas isso implicaria investimentos que este governo (ou qualquer outro) não estaria disposto a fazer. Eu não aprendi música. Nem história da música. Não sei demonstrar a uma turma porque é que Bach é melhor do que o Enrique Iglesias ou a Shakira. O máximo que posso fazer é dar-lhes a conhecer o que eles nunca ouviram e, com isso, tentar abrir os ouvidos dos mais sensíveis a novos mundos sonoros. Por isso gosto de passar música nas aulas (desde que a turma o permita). De vez em quando resulta, quando no final, muito timidamente, um ou dois miudos me pedem os cds para ouvir em casa. No ano passado, foi a Diana Krall, este ano o John Lee Hooker.
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