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quinta-feira, março 30, 2006

anotações

Eu não tenho o hábito de anotar os livros que leio. Excepto obras de estudo, que sublinho (a lápis ou a caneta, consoante a estima pela obra). Por vezes assinalo a lápis citações que me despertam a curiosidade, que acho dignas de registo, que gostaria de partilhar com alguém. São as tais "pérolas" penduradas no enredo de que fala o Lobo Antunes. Mas há quem, porque gosta de dialogar com o livro ou porque faz disso a sua profissão, escreve abundantemente nos livros. Era o caso de Vergílio Ferreira. A sua letra minúscula e quase ilegível enche margens e entrelinhas com comentários. Por vezes, Vergílio Ferreira chegava a mudar a ordem das frases para as colocar de um modo mais correcto, de acordo com a sua própria sensibilidade e visão da narrativa. Mas os livros da sua biblioteca pessoal também estão povoados de comentários mais pessoais, alguns deles ... digamos assim ... pouco abonatórios em relação ao autor da obra: acusações de plágio (parece que à margem de certas frases ou ideias, Vergílio anotava "já foi escrito antes"); por vezes surgem até ofensas aos autores ("invejoso" ou "invejoso és tu").
Como todos nós (e sendo um escritor consagrado, com mais propriedade) Vergílio Ferreira tinha os seus ódios de estimação. Dizem que Agustina era um deles. O outro era (compreensivelmente), Saramago. E foi num livro de Saramago, mais precisamente Cadernos de Lanzarote (acho que é este o título), que Vergílio anotou: "este livro parece a sala de troféus do Benfica". Ou seja? Segundo me explicaram, "pomposo, exibicionista".
Estas infomações recebi-as hoje numa visita de estudo à Biblioteca Vergílio Ferreira, em Gouveia. O espaço, para além de objectos pessoais do escritor, contém ainda parte da sua biblioteca pessoal, com as referidas anotações. Outra parte do espólio encontra-se em Lisboa. Mas a Biblioteca de Gouveia só por si tem material para muitos estudos e teses literárias, filosóficas. E também muita análise ao ego e às rivalidades pessoais dos escritores da nossa praça.

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