Andei a ajudar a preparar uma exposição sobre o 25 de Abril. Não, não é essa a ironia, embora também a mim tenha dado vontade de rir. Se há tema difícil de escapar é este. Serve-me de consolo pensar que, se estivesse na outra parvónia, a exposição seria dedicada a Samora Machel. Menos mal.
O que é realmente irónico é que nas exposições sobre o 25 de Abril o alvo das atenções seja Oliveira Salazar, que por sinal até já tinha morrido. Nesta expo em concreto, além de cartazes e fotografias sobre "Abril", com o pobre Salgueiro Maia em algum destaque, foi feita a reconstrução de uma sala de aula do tempo do Estado Novo: a lousa, as carteiras de tampo de madeira, individuais ou de pares, o tinteiro, o ponteiro, o compasso, os armários com as medidas, os mapas de «Portugal Continental e Insular», o quadro com A Portuguesa e outro com os Direitos das Crianças, os livros da escola primária, com exercícios que hoje traumatizam criancinhas do 7º ao 9º ano, o crucifixo pesado e sólido, e os retratos do Presidente do Conselho e do Presidente da República. Obviamente, foi esta a parte que mais agradou aos visitantes.
De seguida, a palestra. E a descrição do que eram as características do Estado Novo: um regime de partido único, com censura dos meios de comunicação (hum...), com perseguições políticas (hum...), com a aposta no analfabetismo da população como forma de a controlar melhor (hum...). E digo hum... porque parecia que estavam a falar do Portugal de 2009, com a sua RTP e as entrevistas combinadas e oportunas e os processos judiciais a jornalistas, com as novas oportunidades e restante legislação escolar que cria analfabetos diplomados (à imagem do chefe com a sua licenciatura made in independente que transforma, como que por milagre, bacharéis medíocres em engenheiros). Depois falaram da pobreza, da necessidade de emigrar, do medo, da intimidação a quem não era do regime, mas o que se passa hoje nas autarquias e nas instituições e nas escolas a quem não tem cartão rosa?
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E a propósito de democracia e liberdade de expressão, sublinhe-se a hipocrisia desta gente, com o seu conceito democrático made in PS e que se resume a esta máxima: "há liberdade de expressão desde que seja igual à nossa". Daí a crise e o rasgar de vestes perante a decisão de, em Santa Comba, se baptizar uma praça ou um largo ou um rua com o nome de Oliveira Salazar. Não conseguem perceber que aquela terra tem em Salazar o seu mais ilustre nome? Se temos praças Marquês de Pombal (que não era exactamente um defensor dos direitos humanos e da liberdade de expressão), por que motivo não podem as pessoas de Santa Comba baptizar um pedaço da sua terra com o nome de um dos filhos dessa terra? Sim, eu sei, dizem que a ideia não passa de provocação porque a cerimónia vai ser realizada a 25 de Abril. Diriam o mesmo em qualquer outra data, porque para esta gente não pensar como eles é ser provocador. Eu diria que, feitas as contas, é mais provocador e obsceno promover Otelo Saraiva de Carvalho depois de o terem amnistiado politicamente (pensei que não houvesse crime político na terceira república e afinal...). Uma decisão que faz de Otelo o mais bem pago actor erótico português de sempre.
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