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quinta-feira, março 13, 2008

Finalmente. Última turma corrigida. 5 turmas, 115 testes, número arredondado. Manchas vermelhas na mão, lembrando as manchas vermelhas na tabela do excel. Ou o brilho da chama antes de se apagar. Lá fora ouve-se o primeiro galo do dia. E sente-se o gelo espalhado pelo vento. Aqui dentro tudo está em silêncio, tirando eu e os fones e o pc que vai suspirando de vez em quando.
O finalmente é enganador. Faltam as toneladas de papel que arrastam as reuniões e impedem a discussão do que interessa. Planos de recuperação, planos de acompanhamento (nunca sei a diferença, os nomes estão sempre a mudar). Depois, por cada plano preenchido neste final de período (um por cada negativa), haverá um relatório no final do ano, a justificar: a) porque é que o plano não resultou; b) porque é que o plano resultou; Mas até lá... Falta conferir as faltas, ver quais as justificadas, quais as injustificadas (embora, para todos os efeitos, não haja diferença legal entre uma e outra). E depois, imprimir folhas, uma para cada disciplina da direcção de turma, preencher as das outras turmas, colocar as notas no pc (um dos três disponíveis com o programa de registos para dezenas de directores de turma - um choque tecnológico).
Um piano interrompe-me o pensamento
"I don't believe in an interventionist God
But I know, darling, that you do
But if I did I would kneel down and ask Him
Not to intervene when it came to you
Not to touch a hair on your head
To leave you as you are
And if He felt He had to direct you
Then direct you into my arms
O Lord..."
*
A propósito de música, esta manhã fui "juri" das actuações dos alunos do 6º ano. Algumas caras eram conhecidas, da sala de estudo ou dos corredores e dos átrios. Venceram os que levaram as suas violas e, bem ensaiados, cantaram red hot chilli peppers numa agradável e afinada versão acústica. Quase profissionais, em comparação com a maioria, encolhidos como animais, ou envergonhados, vermelhos no rosto, os olhos presos ao chão ou às folhas de papel, cantando o mais baixo possível para que ninguém os pudesse ouvir. Eu faria pior. Ou melhor, eu nem sequer faria. Não sei onde vão buscar a coragem para estas coisas. No grupo das violas, uma das miúdas colocou um pé sobre o outro para elevar a perna e fazer um apoio para o instrumento. Tinha autocolantes com cerejas, a viola. E ela um ar sério. No final da actuação suspirou. Este foi o grupo vencedor, mas... O que mais surpreendeu foi a voz de I. Sem instrumentos, sem som de fundo, música negra. Pop, mas negra, a tocar o soul ou o r&b. Se lhe falasse nestes termos iria olhar-me e rir-se. Uma figura esguia, com traços que sugerem um gene negro. Bem escondido, mas mesmo assim presente. Os olhos não sairam do chão, mas quando a voz se soltou, a sala silenciou-se.
No regresso a casa, ia pensando nisso. E lembrei-me do título do livro, que fazer quando tudo arde. Que fazer, neste caso, quando tudo se perde? Se a terra fosse outra, se o país fosse outro, que seria daquela voz? E que seria da dona daquela voz? O futuro não se apresenta risonho. Não o costuma ser para crianças acolhidas. A voz ficará sepultada sob os escombros de uma vida de rotinas, de um casamento precoce, de um emprego mal pago, de vários empregos mal pagos, uns a seguir aos outros, de discussões familiares (a violência doméstica, ouvi dizer, aumentou 30% no último ano - um aumento das queixas ou o espelhar do provérbio "casa onde não há pão..."?). O futuro, de facto, não se apresenta risonho.

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