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domingo, dezembro 09, 2007

A voz

"Mas a canção que se seguiu penetrou-me bem fundo no coração - era uma canção triste, guitarras e palavras tristes, uma rapariga americana cantando uma composição intitulada «Barbara Allen».
Que voz aquela! Nem precisava de música; quase não precisava de palavras. Ela própria criava a melodia; ela, só, bastava para criar todo um universo de sentimentos. Era isso o que as pessoas da nossa comunidade [indiana] procuravam na música e no canto - sentimentos. Era isso que nos fazia gritar «Wa-wa! Bravo!» e atirar notas e coisas em ouro para um cantor. Ao ouvir aquela voz, senti a parte mais profunda de mim mesmo acordando, aquela parte que conhecia a perda, as saudades, a mágoa, aquela parte que ansiava pelo amor. E naquela voz havia uma promessa de esplendor para todos os que a ouviam.
- Quem é a cantora? - perguntei a Indar.
- Joan Baez - respondeu ele. É muito famosa nos Estados Unidos.
(...)
...regressei à voz. Nem todas as canções eram como «Barbara Allen». Algumas eram modernas, falavam da guerra e da injustiça, da opressão e da destruição nuclear. Mas havia sempre melodias antigas, melodias ternas. Eram essas melodias que eu queria ouvir, mas no final a voz juntava os dois tipos de canção, juntava as donzelas e os apaixonados e as mortes tristes dos tempos passados com a gente dos nossos dias, a gente oprimida, a gente que ia morrer.
Tudo aquilo era fingido, não tinha a mínima dúvida. Só quem confiava na justiça, só quem tinha acesso à justiça, é que poderia ouvir canções ternas acerca das injustiças do mundo."

(V. S. Naipaul, A Curva do Rio, D. Quixote, pp. 159-161.)

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