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sexta-feira, setembro 05, 2008

Portugal não é um país a sério 2

"Na passada semana, o "Expresso" noticiou o caso de Luís, 15 anos, que passou para o 7.º com oito negativas e uma positiva (a Educação Física). Razão tinha o outro: quem não sabe fazer nada, estuda; quem não sabe estudar, estuda Educação Física. Mas o Secretário de Estado não se atemoriza com este cenário: diz Valter Lemos que, perante a desgraça dos nossos números internacionais, reprovar o Luís seria enxotá-lo para fora do sistema e entregá-lo a uma vida de marginalidade. Enquanto o Luís andar na escola, ele pode não saber ler, escrever, contar, falar ou pensar. Mas, pelo menos, não anda por aí a envergonhar o governo nas estatísticas internacionais. Nem a roubar. Nem a matar.
A lógica é impoluta e inaugura um novo capítulo na frondosa educação nacional: para evitar que as nossas crianças se dediquem ao crime, é o Estado que comete um crime sobre elas, sequestrando-as dentro dos portões escolares. E se elas dão provas de brutal ignorância nas matérias da praxe, isso não basta para as reprovar. As escolas podem sempre esgrimir os inevitáveis despachos normativos "especiais" garantindo passagens sucessivas a troco de permanência física. No caso do Luís, a permanência num curso de educação-formação. Caso o Luís falhe neste curso, é provável que o levem a Fátima. Ou, por deferência homónima à ministra, a Lurdes. Mas sair do sistema está fora de questão.
Eu, por mim, não me oponho; mas às vezes pergunto se esta mentalidade prisional não acabou também por contaminar o próprio Ministério da Educação. Que o mesmo é dizer: aprisionando Valter Lemos à 5 de Outubro, apesar de todas as evidências que aconselhavam à sua libertação. Mas talvez o eng. Sócrates tenha as suas razões para prolongar o cativeiro do Secretário de Estado: entre arruinar o ensino ou arruinar o nosso Valter, entregando-o a uma vida de errância fora dos gabinetes ministeriais, o ensino pátrio, pelo menos, já há muito que estava arruinado."

(J. Pereira Coutinho, no Expresso)

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Estas passagens administrativas para dourar as estatísticas. além de impostas pela lei, são forçadas nos conselhos de turma por conselhos executivos que não passam de meros paus-mandados das direcções regionais (no norte, então, os casos são inúmeros) porque dependem dessas direcções para conservarem os seus postos. Não foi por acaso que a ministra lançou a ameaça dos "gestores" escolares (uma ideia perfeitamente idiota), que lançou o pânico entre os presidentes não qualificados dos conselhos executivos, para depois esquecer (enquanto precisa deles) essa medida. Para não serem obrigados a trabalhar, passaram a ser os caezinhos que repetem o que a dona diz e manda fazer. Quando a dona não precisar mais deles, vai dar gosto vê-los por aí a penar ou a procurar a reforma dourada na inspecção escolar, um ninho maioritariamente preenchido por inúteis e ex-presidentes que eram mestres nas artes do favorecimento de amigos.

A confederação de pais (que não de encarregados de educação, termo que se esquecem muitas vezes de usar nos textos que produzem, como se só existessem "pais" a educar crianças) aplaudiu sempre a legislação que favorecia toda a balda das passagens administrativas, pois, com isso, conseguem mais um instrumento para impor de forma artificial o sucesso de alunos que não têm o valor nominal das suas notas, em prejuízo dos que têm valor, e o demonstraram com trabalho e dedicação.

Por fim, os sindicatos, incapazes de protestar de forma firme contra todo este processo de socratização* do ensino, porque os seus altos dirigentes dependem das benesses do governo para manterem as suas mordomias. Geralmente criaturas em relação às quais o Criador (que dificilmente terá sido Aquele que estamos a pensar) se esqueceu de colocar uma coluna vertebral, o topo do sindicalismo da nossa educação limita-se a negociar a manutenção das suas mordomias (e dos respectivos amigos), vendendo tudo o resto. E esquecendo o que até à véspera defendiam. Basta recordar um alto(salvo seja) líder sindical que protestava contra a criação do professor titular, mas que regressou à sua escola (onde não daria aulas há décadas, se é que alguma vez deu) para se poder reformar como professor titular.

Portugal at it's best





*socratização: processo pelo qual é concedido um diploma sem qualquer mérito, ou mesmo frequência de cadeiras e disciplinas do referido curso

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