Na exposição, após os pequenos documentários, fortes e esclarecedores, havia um breve espaço para apresentar livros. E, ao contrário do que se pensa, adolescentes, de quem se diz "nunca lêem", ouviam interessados, folheavam, comentavam e pediam para levar.
"Está à venda?"
"Não, mas emprestam-se a quem quiser."
"Posso levar este?", Primo Levi, Se isto é um homem.
"Claro."
"Quando quer que o devolva?"
"Quando acabares de o ler."
*
Algum tempo antes, noutra sala bem próxima desta, duas ou três alunas liam, à espera da aula.
"Que estás a ler?"
E uma delas levanta a capa. E diz:
"Faz parte do nosso contrato de leitura. Mas não temos encontrado nada na biblioteca."
"E na papelaria há pouca coisa", diz outra.
"Há uma lista?", perguntei.
"Não. Podemos escolher o que quisermos."
Pois, mas estranha escolha a que se permite fazer a partir do nada, ou do quase nada.
"Na próxima semana trago-vos alguns para escolherem."
E assim foi. Na semana seguinte, levei a medo um monte (literal) de livros, não esperando grande adesão. Em poucos minutos, aquelas mãos demoliram o monte, escolhendo um, ou dois, até três livros. E já renovei a oferta, com sucesso.
E penso: se, em vez de magalhães, os nossos governantes ignorantes investissem em livros para as bibliotecas das escolas, o resultado seria certamente outro. Ah, claro, mas o ensino não pode ser "livresco" nem "tradicional" e tem de "preparar para a vida activa". Antes, chocava-me quando lia estes disparates na prosa ministerial (e dos doutos cientistas da educação). Hoje não me surpreendo. Os cientistas da educação e os nossos governantes venceram na vida sem lerem um único livro. Valter Lemos, por exemplo, deve ter lido a sua própria tese e as de outros "cientistas da educação", que cita e bajula. Estes, por sua vez, citam e bajulam a tese, criando um curioso círculo vicioso de auto e hetero promoção. Seria hilariante, se as consequências não fossem as que sabemos. Quanto a sócrates, a sua licenciatura diz tudo quanto a níveis de literacia.
2 comentários:
Em suma, benditas crianças que nos fazem sorrir todos os dias e jogam a seu e nosso favor o factor surpresa quando menos esperamos, certo?
certíssimo. Graças a elas, ainda há alguma esperança. Pena é que os adultos que governam tirem parte dessa esperança, e mais a eles do que a nós.
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