Seguidores

sexta-feira, junho 30, 2006

Continuo a não gostar da ministra

Não gosto, porque não gosto de utopias. Em geral caem no totalitarismo. Ou no absurdo. E a senhora é utópica, de um lirismo de fazer inveja. O discurso dela é formalmente lógico, mas não se aplica à realidade. Será que ela é de alguma corrente Filosófica?
.
De acordo quanto à necessidade de avaliação, nunca pus isso em causa. Mas continuo a não considerar os pais, em geral, como capazes de o fazer. Aliás, essa medida era desnecessária, porque para avaliar a escola já temos a associação de pais e, em geral, não creio funcione muito bem - nos casos que conheço (só nove, mas parece demasiada coincidência) ou não existe ou serve para resolver conflitos pessoais. E os alunos, seguramente imaturos, pelo menos conhecem quem estão a avaliar, o que não é o caso da maioria dos pais (no máximo, conhecem o director de turma e não são todos). Fora isso, também acho que a avaliação dos E.Educação vai ser quase insignificante, e só existe para colocar a Associação de Pais do lado do ministério nesta conjuntura específica.
Quanto ao resto da avaliação, ela é efectivamente fundamental. Claro que irrita ver uns quantos incompetentes com a mesma avaliação de outros que trabalham bem. Até aqui, como muito bem dizes, não havia avaliação. Mas eu tenho a leve suspeita que a nova avaliação tem como principal objectivo travar a entrada em quadro e a subida de escalão precisamente para poupar uns trocos. Como vai ser quase impossível subir de escalão, duvido que a maioria tente obter o excelente e o muito bom necessários e se contente com o regular. Na prática, muitos vão jogar para não perder, porque se sentem como equipas da terceira a jogar contra o AC Milan, não têm hipótese de ganhar... E o ensino vai ser tão estimulante como esse jogo.
Se bem li a proposta do ministério (que poderá sofrer alterações) um critério para se ficar pelo regular são as faltas a serviços lectivos. Justo, para os que faltam porque querem ir às compras ou porque fizeram uma noitada mais dura e querem ficar a dormir. Ou (caso que eu vi), porque simplesmente querem almoçar mais descansados e faltam à primeira hora da tarde. Mas a proposta não distingue o tipo de faltas. Pelas contas que tenho ouvido (não me dei ainda ao trabalho de as fazer também) bastarão 5 dias de ausência para impedir uma avaliação de bom. Mesmo que tenham sido faltas por doença (real, não fictícia), ou faltas para assistir a conferências e participar em acções de formação (lá terei de optar se vou a Seia ver as Jornadas Históricas ou se prefiro aspirar a um bom no fim do ano). Segundo dizem, as acções de formação devem ser em horário pós-laboral, algo perfeitamente possível para quem dê aulas em Valpaços e tenha a acção em Vila Real ou no Porto (pontos civilizacionais mais próximos). A licença de maternidade também não é propriamente contemplada. O ano em que a mãe (e também o pai) goze de licença de maternidade (paternidade) não é avaliado, sendo que a avaliação do ano seguinte vale para os dois. Como no ano seguinte o bebé ainda não é propriamente autónomo e avós e amas são coisas que não abundam, uma simples doença impedirá a mãe ou o pai de trabalhar. Se, por azar, a doença for prolongada, lá vem o regular para os dois anos. Assim, mesmo que sejam os mais competentes do mundo, estão tramados e em vez de subirem de posto em seis anos sobem em oito porque dois já foram queimados.
.
A propósito de faltas, um parêntese. No final deste ano contabilizei as aulas previstas para as minhas disciplinas e dadas por mim. Descobri que faltei imenso. Isto porque se contabilizam os seguintes casos:
- um dia em que não tinha alunos porque houve greve de funcionários e as crianças foram enviadas para casa (sem cantina não há comida) - 1 dia
- os dias em que faltei por estar nas Jornadas Históricas de Seia - 3 dias
- dias dos exames nacionais de 9º ano (por determinação da Drec, todas as turmas estavam dispensadas de aulas para não prejudicarem o normal decorrer das provas) - 2 dias
- dias em que participei em visitas de estudo (não dei aulas às turmas que não participavam) - 3 dias
- um dia por doença (culpa minha, sem ironia)
- o último dia de aulas do 2º período, porque fui à escola do ano passado visitar as crianças e levar um cd com imagens para um trabalho que estavam a realizar desde o ano passado e que concluíram há pouco tempo (falta desnecessária, obviamente, mas que voltaria a dar) - 1 dia
O que me deixa mal é que aos pais só chegam os números: aulas previstas 90, aulas dadas 75. Imaginem a minha avaliação... É com base nestes números que são feitas as contas que saem nos jornais sobre absentismo, já agora...
.
Pontos positivos: é preciso avaliação para entrar em quadro. Uma espécie de novo estágio para avaliar a competência de quem ensina. Aplausos. Se, depois de entrar em quadro, as avaliações forem negativas, o prof sai do quadro e volta aos contratos. Novos aplausos.
Ponto negativo: aparentemente a coisa passará também por uma entrevista, o que em Portugal é quase sempre sinónimo de outra coisa. E a avaliação (dando o meu exemplo, se viesse a entrar em quadro) será feita pelo coordenador de departamento (que irá observar as aulas), o que fará com que eu possa ser avaliado por um prof de Geografia ou de Moral. Como estão por fora da matéria (ou, pior ainda, podem achar que estão por dentro porque vêem o Hermano Saraiva e leram o Código Da Vinci), a coisa pode correr mal, a não ser que se limitem a avaliar a prestação pedagógica vazia de conteúdos. Numa situação absurda, posso ter um excelente por ensinar de forma convincente, clara e pedagogicamente correcta uma imbecilidade cientificamente errada!
Mais complicado é o caso do departamento de expressões artísticas em algumas escolas, que engloba E. Visual, E. Tecnológica, Música, Artes Plásticas e, em alguns casos Ed. Física. Assim, para a coisa funcionar bem, aconselho um regresso aos grupos, para não ter os tipos das flautas avaliados pelos tipos dos trampolins.
.
Tudo isto podem ser detalhes que, com cuidado, facilmente se conseguirão limar, para deixar a parte positiva actual. Mas sinceramente, duvido que eu venha a ter quaisquer benefícios com estas medidas. E, pior ainda, duvido que o país também tenha.
.
O que verdadeiramente me perturba na proposta é um parágrafo curioso, que diz que todos os profs devem actuar em regime de exclusividade, estando-lhes interdita qualquer outra actividade profissional, remunerada ou não. Isto é ridículo. Quer dizer, quem for escritor ou pintor ou músico numa orquestra não pode dar aulas? Quem quiser abrir um bar ou um ginásio ou uma pastelaria também não? Ou dar conferências? No cúmulo dos cúmulos, quem quiser fazer manuais escolares também não pode dar aulas? Isto é um apelo à mediocridade, não ao mérito. Ou é um apelo à fuga ao fisco ou ao anonimato. Lá se vai o meu sonho de publicar um livro um dia na vida (logo agora, que até o Rodrigues dos Santos conseguiu).
.
Consta que também os mestrados vão deixar de contar para efeitos de progressão. Boa, nada como incentivar a formação. As Universidades, tão sedentas dos € das propinas como um inglês por cerveja depois de um jogo de futebol, vão adorar as desistências. (O que me lembra que ainda não paguei as propinas nem pedi diploma).
.
Como conclusão, o objectivo explícito é bom e peca por tardio. O objectivo implícito (poupar uns €) não é nada bonito, mas parece ser também necessário. Que pena não começarem a poupar despedindo os grupos de trabalho do ministério que, como bem disse Filomena Mónica, deviam ser queimados com napalm. No final, se não houver alterações em alguns pontos, os melhores deixarão o ensino porque encontrarão facilmente algo (materialmente) melhor para fazer. Ficarão os regulares e os irregulares. Voltaremos aos tempos dos professores do Woody Allen:
"aqueles que não sabem desempenhar uma profissão, ensinam. Aqueles que não sabem ensinar, dão aulas de educação física."

Sem comentários: