Há mortes que não fazem sentido. Por chegarem demasiado cedo (mas quando é que não é cedo demais?) ou por não a julgarmos possível. A de Michael Jackson é assim. Cresci com ele, com as suas músicas, com a excelência do seu talento de músico e dançarino. E com ele aprendi que há pessoas que não podem ser como são, porque o mundo não deixa. Sobre Jackson toda a gente tinha uma opinião, geralmente fundada não na realidade, mas na ilusão criada pela imprensa dita (um trágico eufemismo) côr-de-rosa. Só hoje, nesta sala quase vazia, ouvi três ou quatro disparates. E não importam os desmentidos (regra geral ignorados), como não importam as decisões da justiça americana (que não é como a portuguesa). As pessoas só veem a poeira, feliz expressão que ouvi ontem na Sic, e é mais fácil condenar do que elogiar. Claro que com a morte inesperada começam a surgir os inevitáveis elogios, mas também são de desconfiar os que saem de algumas bocas. O tempo da morte é o da limpeza da alma: até as pessoas mais detestáveis são descritas como "era tão boa pessoa", quando na verdade queríamos era dizer "já foi tarde e não faz cá falta nenhuma." Não é o caso.
Com o tempo a poeira irá dissolver-se no vento e Jackson aparecerá como realmente foi: uma verdadeira estrela, talentosa, profissional e perfeccionista; num universo mediático que transforma a mediocridade em talento e onde o sucesso é temporário (mais do que estrelas, as vedetas são fósforos que em breve se apagam), o brilho de Jackson perdurou ao longo de décadas, dos 5 anos aos 50, perdurou e perdurará. Intitulado o rei do pop (e não auto-intitulado, como tantas vezes se repete) é seu o album mais vendido de sempre, Thriller. E foi ele o primeiro negro (sim, negro, afro-americano se preferirem) a passar na MTV. Um dançarino elogiado por Astaire e Gene Kelly e imitado por muitos outros, mestre na escolha de outros igualmente talentosos para com ele colaborarem: realizadores como John Landis (Thriller e Black or White), Martin Scorcese (Bad) e David Fincher (Who is it); actores e figuras públicas como Magic Johnson, Michael Jordan, Eddie Murphy, Naomi Campbell, Iman, Weird Al Jankovic, Spielberg, Joe Pesci, Marlon Brando; músicos como Paul MacCartney, Quincy Jones, Mick Jagger, Stevie Wonder, Janet Jackson, Lionel Ritchie, Van Halen e Slash. Deixa êxitos que devem figurar nas grandes antologias musicais do século XX: Ben, ABC,
We Are The World, Don't Stop Till You Get Enough, Thriller, Billie Jean, Beat It, Human Nature, The Girl is Mine, Say Say Say, Bad, Man in the Mirror, Another Part of Me, The Way You Make Me Feel, Black or White, Who Is It, Give in to Me, Keep it in the Closet, Heal the World, Scream, Stranger is Moscow, e por aí fora...
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Michael Jackson foi o cantor que eu mais gostaria de ter visto actuar ao vivo e não tive a possibilidade. Quando veio a Alvalade, em 1992, não tinha nem o "capital" nem a autonomia para ir a Lisboa (na altura era tão longe) para ver o concerto. Uma colega de turma, mulatinha simpática cujo nome já esqueci, foi e adorou, claro. Fiquei-me pela sua alegria e pela sua descrição. Além de Jackson, gostaria de ter visto Freddie Mercury. De resto, da escassa lista dos que realmente quero ver, faltam Bruce Springsteen, Tori Amos e os U2. Já vi (pensei que não teria a possiblidade) os Pogues e o Leonard Cohen.