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domingo, dezembro 03, 2006

Lamento despertado por uma música de Joan Baez

Há uma situação curiosa nas escolas, a forma como passamos por elas sem nos darmos a conhecer (presumo que o mesmo ocorra em todos os micro-universos que são os locais de trabalho). Dizem que em grupo perdemos a identidade e é bem verdade. Por exemplo, só conheço de forma mais profunda (ou seja, algo mais do que o nome, o número e o rosto) alunos com quem falei a sós ou em grupos de dois ou de três. E sempre fora das aulas, ou da escola. Creio que o mesmo vai acontecendo com os alunos. Nós passamos igualmente despercebidos para eles, sem nome, sem individualidade a não ser a que é ditada pela disciplina que damos (é raro o aluno que sabe os nomes dos professores, seja desse ano, seja dos anteriores). Nos locais de trabalho, compreensivelmente, somos reduzidos à função que desempenhamos. E só em momentos anormais, insólitos, trágicos, cómicos, como lhes quisermos chamar, é que nos despimos um pouco do papel que nos cabe. Mesmo o convívio na sala de professores é ritualizado e representado, as palavras são medidas, as opiniões retocadas para assumirem formas politicamente correctas. Nada pode sair do tom consensual. Nisso não somos diferentes dos alunos que convivem na sua própria sala ou nos espaços abertos da escola. Não creio que, salvo honrosas excepções, algum deles declare publicamente ser diferente dos restantes, ler o que eles não lêem (quando lêem), gostar do que eles não gostam, fazer o que eles não fazem, ser o que eles não são. A escola não é, definitivamente, um espaço onde a individualidade se sinta bem e se queira manifestar. Pelo contrário, naquele espaço (que simula a sociedade), a norma não aceita desvios e originalidades. E vamos vivendo uma representação em que esvaziamos as nossas personalidades. Até que, quando se propicia esse tal momento distinto, vemos que pelo menos uma das pessoas que nos rodeiam tem algo mais dentro de si.
Pouco a pouco, descoberta a descoberta, vai-se reforçando a ideia de que afinal a escola está cheia de gente insólita, curiosa, interessante e sobretudo surpreendente. Como um funcionário que era porteiro aqui em Coimbra e que lia filosofia (a ponto de ser procurado para rever textos de professores) e coleccionava filmes que fariam inveja a muitos cinéfilos e cinematecas. Ou outro, na Régua, que tinha como passatempo ouvir e guardar todo o tipo de música (foi ele quem me arranjou o cd da Joan Baez que ouço agora). Ou a aluna (muito mais que uma aluna) que pintava e desenhava e hoje fotografa e filma.
Que pessoas se escondem, afinal, naqueles corpos baços que nos rodeiam diariamente e que, em vez de se mostrarem e cativarem, procuram esconder-se ou arranhar como gatos selvagens, como se vivessem em luta constante?

1 comentário:

Anónimo disse...

Os alunos são adolescentes e os adolescentes, como todos sabemos, vivem muito virados para o seu próprio umbigo e preferem manter relações de amizades com os seus pares. Quando inseridos num grupo, não apreciam grandemente a diferença nem gostam particularmente de se destacar. Padecem daquilo a que os britânicos chamam de "herd mentality". Basta olhar para as indumentárias para facilmente se perceber que o que interessa é a integração, a aceitação. Há excepções, claro. Com a (má) qualidade de professores que hoje pululam pelas escolas deste país (cortesia dos disparates governativos que permitiram a abertura das espeluncas que se auto-denominam de "universidades" privadas), vale mais não entrar em grandes intimidades. Há que saber escolher as companhias, ou então sofrer as consequências das más escolhas.